António Dacosta
António Dacosta | |
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Nascimento | 3 de novembro de 1914 Angra do Heroísmo |
Morte | 2 de dezembro de 1990 (76 anos) |
Nacionalidade | Portuguesa |
Ocupação | Poeta, crítico de arte e pintor |
Prémios | Prémio Amadeo de Souza-Cardoso (1942) Prémio AICA |
António da Costa, Jr. GCM (Angra do Heroísmo, 3 de Novembro de 1914 – Paris, 2 de Dezembro de 1990), mais conhecido por António Dacosta, foi um poeta, crítico de arte e pintor português.
A sua obra pictórica é constituída por duas fases distintas. Entre 1939 e 1948 trabalha essencialmente dentro de um idioma surrealista, afirmando-se como uma figura de referência do movimento em Portugal. Essa fase encerra-se com pinturas realizadas em Paris – onde fixa residência a partir de 1947 –, em que se aproxima da abstração. Segue-se um hiato de trinta anos em que interrompe quase por completo a prática artística, dedicando-se à crítica de arte.
Retoma a pintura de forma consistente apenas no final da década de 1970. A partir daí e até à data da sua morte irá realizar um conjunto de obras diversas, identicamente notáveis, "cujo intimismo e a poesia são ímpares na pintura portuguesa contemporânea"[1]. A sua presença duplamente prestigiada, pelo passado e pela nova visibilidade que adquire na década de 1980, seria marcante na sensibilidade pictural desses anos em Portugal.
Índice
1 Biografia
2 Obra
3 Algumas obras
4 Algumas exposições / Coleções
5 Bibliografia
6 Ver também
7 Ligações externas
8 Referências
Biografia |
António Dacosta nasce na freguesia de Santa Luzia, cidade de Angra do Heroísmo, no ano de 1914. Parte para Lisboa em 1935, para estudar na Escola de Belas Artes, integrando-se rapidamente nos circuitos intelectuais da capital. Expõe pela primeira vez em 1940 na Casa Repe (Lisboa), juntamente com outra figura pioneira do surrealismo português, António Pedro, numa mostra que assinala a entrada formal do surrealismo em Portugal.[2][3]
Em 1942 ganha o prémio Souza-Cardoso na Exposição de Arte Moderna do S.P.N.; no ano seguinte publica as suas primeiras crónicas sobre arte, no Diário Popular. Em 1944 o seu ateliê e grande parte da sua obra são destruídos por um incêndio. Parte para Paris três anos mais tarde, como bolseiro do governo francês, instalando-se em definitivo nessa cidade; a partir daí irá regressar a Portugal apenas esporadicamente. Em 1949 participa na Exposição do Grupo Surrealista de Lisboa com obras onde se aproxima da abstração, mas nesse mesmo ano interrompe a prática artística. Durante cerca de 30 anos a sua ligação à pintura sobrevive sobretudo através da escrita sobre arte, colaborando de forma regular no jornal brasileiro O Estado de S. Paulo.[3]
Datam de meados da década de 1970 os primeiros indícios da sua fase final (veja-se, por exemplo, Paisagem da Terceira, Amanhecer, 1975). Em 1978 algumas das obras mais significativas do seu período surrealista – e que nessa altura já não lhe pertenciam –, são apresentadas em Londres na exposição Portuguese Art since 1910[4], que visita na companhia de Júlio Pomar. Redescobrir as suas obras iniciais poderá ter acentuado o desejo de regresso à prática artística, levando-o a retomar gradualmente a pintura. A atividade intensifica-se nos primeiros anos da década seguinte. Irá expôr esses novos trabalhos pela primeira vez em 1983 (Galeria 111, Lisboa). Em 1984 recebe o prémio AICA, Lisboa. Em 1988 a sua obra é apresentada de forma extensiva no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, em Lisboa, e na Casa de Serralves, Porto.[5]
A 4 de Fevereiro de 1989 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito.[6]
Obra |
Durou menos de dez anos o período inicial da maturidade da obra pictórica de António Dacosta; e é ainda mais curta a sua decisiva fase surrealista, que se inicia em 1939 para terminar aproximadamente em 1943.
"Conjugado inicialmente com o expressionismo", o "surrealismo figurativo"[7] de Dacosta será marcado por uma clara aproximação à suspensão metafísica da pintura de Giorgio de Chirico, complementada por ecos da intensidade expressionista do norte da Europa[8].
Dacosta utiliza os dispositivos surrealistas da livre associação para gerar "imagens de uma realidade que se sobrepõe ao quotidiano sem o negar, e antes obrigando-o a revelar o que esconde na aparência das coisas e dos seres"[9]. Nesse processo, recusa a fixação de significações estáticas para as suas obras, metamorfoseando formas, deslocando alusões, definindo um desejo de polissemia que irá estender-se à sua obra posterior.
A ambiguidade dessas obras tem permitido uma multiplicidade de leituras, desde "a inquietação, o horror causado […] pela Guerra Civil de Espanha" até à "ameaça que pairava sobre os homens"[10] nesse tempo dominado pela ferocidade da Segunda Guerra Mundial. E se é relativamente consensual a associação destas pinturas à "necessidade de denunciar uma situação de crise", a localização dessa crise permanece incerta, podendo igualmente situar-se no interior, espelhando "a desolação em que o país vivia sob a ditadura do pequeno fascismo de Salazar"[11]. E numa escala mais reduzida ainda poderá identificar-se, na "atmosfera sufocante" de pinturas como Antítese da calma ou Serenata Açoriana, de 1940, uma outra dimensão, de cariz mais pessoal, "uma angústia em que é possível descortinar raízes geopsicológicas – ou […] motivações freudianas"[12], que se ligam à origem insular do pintor.
A força da sua pintura inicial irá depois atenuar-se, com os "símbolos angustiantes" a cederem lugar a uma dimensão mais lírica; A Festa, 1942, com o qual recebe o prémio Souza-Cardoso, assinala esse desvio e é já uma "alegoria, de conceção terna e alegre, representando crianças, flores [...]"[13].
Nos anos imediatos a alteração temática e formal da sua pintura é evidente, e coincide com o início da sua atividade como crítico de arte. Nessa outra faceta da sua obra, "o artista maior que foi [Dacosta] revela-se também como crítico atento de várias gerações"[14] de artistas.
Em meados da década de 1940 o idioma surrealista parece já não o satisfazer, e vemo-lo aproximar-se da figuração pós-cubista de Picasso, da linearidade sensível dos desenhos de Matisse e, pouco depois, da abstração. Quando parte para Paris em 1947, "a sua pintura já não revelava o essencial da sua visão poética"[5].
Dois anos mais tarde deixaria completamente de pintar, por razões que permanecem por explicar cabalmente mas que poderão prender-se "com os horrores da guerra" – bem presentes na memória de uma Paris traumatizada por anos de ocupação nazi –, e não menos com a dinâmica da própria cidade da luzes, com a "voracidade de ver, de viver e de desejar – teatros, livros, atrizes, restaurantes, experiências, exposições ou boémias"[15].
Seguem-se quase trinta anos em que a prática da pintura parece definitivamente arredada da sua vida, permitindo-lhe distanciar-se das polémicas que fraturavam o mundo das artes dentro e fora de Portugal. Iria manter um outro tipo de ligação a esse mundo através de uma "escrita que foi relação íntima e produtiva com a pintura"[16]. E refletiria criticamente sobre grandes figuras da cena internacional, de Matisse e Chagall a Klee ou Warhol.
Em meados da década de 1970 volta a querer pintar, retomando a pouco e pouco a via lírica que ficara esquecida nos anos anteriores á partida para Paris. "O regresso à pintura começou por ser uma prática intimista, permitido por uma nova situação familiar (o casamento e os filhos, com o fim da circulação boémia e novas condições de ociosidade, fora de Paris)"[17].
Já na década de 1980 esse regresso consolida-se, enquadrado num chamado retorno da pintura e das figurações que ocorre em simultâneo: "não era apenas o regresso do artista […] ao grupo dos que pintam, mas antes e muito mais fundamentalmente, o regresso da afirmação de um campo de imagens de intensíssima coerência"[18]. Nessas pinturas, o velho pesadelo surrealista transmuta-se em imagens onde uma idêntica suspensão temporal é investida de nova sensibilidade e onde vemos concretizar-se, finalmente, uma síntese das pulsões nucleares da sua obra.
Nas pinturas e desenhos dessa escassa década final – e que Helena de Freitas apelidaria de "notícias do paraíso"[19] –, Dacosta irá relembrar a frontalidade de Matisse em O Estúdio Vermelho (1911), ou a exaltação cromática e lumínica "de Monet e Bonnard"[20], como acontece em Dois Limões em férias, 1983.
A sua reconquistada liberdade de movimentos serve-lhe agora para "gerar espaços de acolhimento a figuras misteriosas, algo extáticas, ou a formas muito obscuras que emergem de dentro da pintura"[21]. O pendor poético que perpassa todas essas obras tanto lhe permite abordar o Sonho de Fernando Pessoa debaixo de uma Latada numa tarde de Verão (1982-83), como a "metáfora amorosa"[22] que será, nas suas próprias palavras, a evocação pictórica de uma fonte de Sintra (veja-se a longa série dedicada e este tema). E sente-se uma vez mais a sua "ligação mítica com o espaço insular [onde nasceu]. Numa ilha […] são mais acessíveis os deuses e mais fortes os mitos"; por isso veremos emergir "fábulas e presságios" ou "alguma reconhecível iconografia do sagrado – a cruz, o altar, o cálice"[23].
Algumas obras |
- Diálogo, 1939
- Amor Jacente, 1940
- Antítese da Calma, 1940
- Serenata Açoriana, 1940
- Cena Aberta, 1940
- Melancolia, 1942
- Festa, 1942
- Cuidado com os filhos, 1948
- Paisagem da Terceira (Amanhecer), 1975
- Cão a uivar à Lua, 1979
- Fonte de Sintra I, 1980
- Fonte de Sintra II, 1980
- Duas sereias à boca de uma gruta, 1980
- Sonho de Fernando Pessoa debaixo de uma latada numa tarde de Verão, 1982-83
- Dois limões em férias, 1983
- Pós de Perlimpimpim, 1983
- Está Calor em Evora, 1983
- As 3 opiniões do mestre ferreiro, 1984
- Fonte de Sintra XVI, 1985
- Não há sim sem não – o Eremita, 1985
- Em louvor de, 1986
- O bailador, 1986
- Tau ou Os Porcos do Retábulo de Issenheim, 1990 (da série tau)
A Cal dos Muros. Lisboa: Assírio e Alvim, 1994. ISBN 9789723703573 (poesia publicada postumamente)
Algumas exposições / Coleções |
- 1940 – Casa Repe, Lisboa (com António Pedro e Pamela Boden).
- 1942 – Exposição de Arte Moderna do S.P.N. (Prémio Amadeo de Souza-Cardoso).
- 1952 – Dezassete quadros, exposição individual, Galeria de Março, Lisboa (texto de catálogo por Fernando Lemos).
- 1953 – 2ª Bienal de S. Paulo, Brasil.
- 1968 – Art Portugais, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris.
- 1969 – Exposição retrospetiva, obras datadas de 1939 a 1948, Galeria Buchholz, Lisboa (texto de catálogo por Rui Mário Gonçalves).
- 1978 – Portuguese Art since 1910, Royal Academy, Londres.
- 1983 – Exposição individual, Galeria 111, Lisboa (texto de catálogo por Rui Mário Gonçalves).
- 1984 – Exposição individual, Galeria Zen, Porto (texto de catálogo por Rui Mário Goncalves).
- 1985 – Arte Portuguesa, Galeria Almada Negreiros, Lisboa.
- 1988 – Exposição individual, Centro de Arte Moderna, Lisboa; Casa de Serralves, Porto (textos de catálogo por Fernando de Azevedo, Maria Helena de Freitas, Rui Mario Gonçalves, Júlio Pomar e José Sommer Ribeiro).
- 1995 – Homenagem dos Açores a António Dacosta, Salão Nobre da Secretaria Regional da Educação e Cultura, Angra do Heroismo, Açores (texto de catálogo por Ruth Rosengarten).
- 1997 – António Dacosta : peintre et poète portugais, Maison de la Poésie, Paris. | António Dacosta : Peintures Intimes, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris.
- 1999 – António Dacosta: não há sim sem não, exposição individual, Bermuda National Gallery e New Bedford Museum of Art (texto de catálogo por Ruth Rosengarten).
- 2006 – Exposição individual, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto.
- 2007 – António Dacosta : Scène Ouverte, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris (textos do catálogo por João Pedro Garcia, José Luís Porfírio e Alain Tapié).
Está representado em diversas coleções e museus, nomeadamente: Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa; Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto; Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa; Museu do Chiado, Lisboa; Museu Carlos Machado (Ponta Delgada), Museu de Angra do Heroísmo e Museu da Horta, Açores; etc.
Bibliografia |
- A.A.V.V. – António Dacosta. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação de Serralves,1988.
- Almeida, Bernardo Pinto de – António Dacosta. Lisboa: Caminho, 2006. ISBN 972-21-1786-6
- Dacosta, António – António Dacosta. Lisboa: Quetzal Editores/Galeria 111, 2000.
França, José Augusto - A Arte em Portugal no Século XX: 1911-1961. Lisboa: Bertrand Editora, 1991.
Gonçalves, Rui Mário – António Dacosta. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984.- Melo, Assunção – António Dacosta, a Clarividência da Saudade. Angra do Heroísmo: DRAC, Novembro 2014.
E também:
- Grande Enciclopédia Universal (vol. 6) (DURCLUB,S.A.) (ISBN 972-747-918-9)
- Grande Enciclopédia Universal (vol. 24) (DURCLUB,S.A.) (ISBN 989-609-054-8)
- A Enciclopédia (vol. 6) (Editorial Verbo S.A.) (ISBN 972-22-2296-1)
- História de Portugal – Dicionário de Personalidades (vol. 14) (QUIDNOVI) (ISBN 989-554-119-8)
Ver também |
- Arte
- Surrealismo
- Lista de pintores de Portugal
Ligações externas |
- António Dacosta na Enciclopédia Açoriana
- Diário de Notícias (António Dacosta e o mercado dos afectos)
- António Dacosta, Pintor Europeu das Ilhas (Vitorino Nemésio) (in Variante, 1942)
- Fundação Serralves (Julho de 2006)
Referências
↑ José Sommer Ribeiro, prefácio ao catálogo da exposição retrospetiva de António Dacosta. In: A.A.V.V. – António Dacosta. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação de Serralves,1988.
↑ Almeida, Bernardo Pinto de – António Dacosta. Lisboa: Caminho, 2006, pág. 5
↑ ab A.A.V.V. – António Dacosta. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação de Serralves,1988.
↑ A.A.V.V. – Portuguese Art Since 1910. Londres: Royal Academy, 1978, pág. 55.
↑ ab Gonçalves, Rui Mário – António Dacosta. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984.
↑ «Cidadãos Nacionais Agraciados com Ordens Portuguesas». Resultado da busca de "António Dacosta". Presidência da República Portuguesa. Consultado em 13 de fevereiro de 2015.
↑ Gonçalves, Rui Mário – António Dacosta. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, pág. 10
↑ Sente-se uma proximidade clara de Dacosta com De Chirico ou Max Ernst, mas não menos com o o caso exemplar de Mário Eloy e talvez mesmo Max Beckmann.
↑ França, José Augusto – A Arte em Portugal no Século XX: 1911-1961. Lisboa: Bertrand Editora, 1991, pág. 345
↑ Gonçalves, Rui Mário – António Dacosta. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, pág. 28
↑ Almeida, Bernardo Pinto de - António Dacosta. Lisboa: Caminho, 2006, pág. 7
↑ França, José Augusto – A Arte em Portugal no Século XX: 1911-1961. Lisboa: Bertrand Editora, 1991, pág. 346
↑ Gonçalves, Rui Mário – António Dacosta. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, pág. 14
↑ Almeida, Bernardo Pinto de – António Dacosta. Lisboa: Caminho, 2006, pág. 20
↑ Almeida, Bernardo Pinto de – António Dacosta. Lisboa: Caminho, 2006, pág. 25, 23
↑ Pomar, Alexandre. «António Dacosta, Fundação Gulbenkian». Expresso, Revista 27 Fev. 1988, pág.14. Consultado em 13 de maio de 2013.
↑ Pomar, Alexandre – Comentário sobre página de Dacosta na Wikipedia; Facebook, 23 de Abril de 2013. Não publicado.
↑ Almeida, Bernardo Pinto de – António Dacosta. Lisboa: Caminho, 2006, pág. 10
↑ Freitas, Maria Helena. In: A.A.V.V. – António Dacosta. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação de Serralves,1988
↑ Almeida, Bernardo Pinto de – António Dacosta. Lisboa: Caminho, 2006, pág. 12
↑ Almeida, Bernardo Pinto de – António Dacosta. Lisboa: Caminho, 2006, pág. 26
↑ António Dacosta, citado em: Gonçalves, Rui Mário – António Dacosta. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, pág. 53
↑ Freitas, Maria Helena – Notícias do Paraíso. In: A.A.V.V. – António Dacosta. Lisboa: Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação de Serralves,1988, p. 18