Canções














































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































Canções


Capa da 2ª edição da obra
Autor(es)

António Botto
Idioma
Português
País

Portugal Portugal
Assunto
Beleza masculina, amor homossexual
Gênero
Poesia
Editora
Imprensa Libânio da Silva
Lançamento
1920

Canções é uma colectânea de poemas do autor português António Botto, que foi sendo editada e aumentada pelo próprio autor no período de 1921 a 1932. O carácter abertamente homossexual de alguns dos poemas causou enorme polémica nos meios conservadores e religiosos da época. Canções foi traduzido para inglês por Fernando Pessoa.




Índice






  • 1 A poesia de Canções


  • 2 Polémica em torno de Canções


  • 3 Referências


  • 4 Bibliografia


  • 5 Ligações externas





A poesia de Canções |


Em Canções, António Botto escreveu sobre as emoções humanas mais fortes: as fortes pulsões eróticas e sexuais, a vertigem do desejo e da tentação, mas soube genialmente rodeá-los de uma aura simpática e calorosa, numa linguagem simples mas fortemente expressiva, como em Venham ver a maravilha:



Venham ver a maravilha

Do seu corpo juvenil!



O sol encharca-o de luz,

E o mar, de rojos, tem rasgos

De luxúria provocante.



Avanço. Procuro olhá-lo

Mais de perto… A luz é tanta

Que tudo em volta cintila

Num clarão largo e difuso…



Anda nu - saltando e rindo,

sobre a areia da praia

Parece um astro fulgindo.



Procuro olhá-lo; - e os seus olhos,

Amedrontados, recusam,

Fixar os meus… - Entristeço…



Mas nesse lugar fugidio -

Pude ver a eternidade

Do beijo que eu não mereço…


ou ainda, manifestando um intenso dilema interno, querendo sem querer, tentando resistir à paixão sem o conseguir, em Meus olhos que por alguém:



Meus olhos que por alguém

Deram lágrimas sem fim

Já não choram por ninguém

- Basta que chorem por mim

Arrependidos e olhando

A vida como ela é,

Meus olhos vão conquistando

Mais fadiga e menos fé.

Mas se as coisas são assim,

Chorar alguém - que loucura!

- Basta que eu chore por mim.


ou desfalecendo de prazer, como em Ouve, meu anjo:



Ouve, meu anjo:

Se eu beijasse a tua pele?

Se eu beijasse a tua bôca

Onde a saliva é mel?



Tentou, severo, afastar-se

Num sorriso desdenhoso;

Mas aí!,

A carne do assasssino

É como a do virtuoso.



Numa atitude elegante,

Misterioso, gentil,

Deu-me o seu corpo doirado

Que eu beijei quase febril.



Na vidraça da janela,

A chuva, leve, tinia…



Ele apertou-me cerrando

Os olhos para sonhar -

E eu lentamente morria

Como um perfume no ar!


mas também soube ser directo e provocante como em Anda vem…, porque te negas:



Anda vem…, porque te negas,

Carne morena, toda perfume?

Porque te calas,

Porque esmoreces,

Boca vermelha - rosa de lume?

Se a luz do dia

Te cobre de pejo,

Esperemos a noite presos num, beijo.

Dá-me o infinito gozo

De contigo adormecer

Devagarinho, sentindo

O aroma e o calor

Da tua carne, meu amor!

E ouve, mancebo alado:

Entrega-te, sê contente!

- Nem todo o prazer

Tem vileza ou tem pecado! Anda, vem!…

Dá-me o teu corpo

Em troca dos meus desejos…

Tenho saudade da vida!

Tenho sede dos teus beijos!



Polémica em torno de Canções |


Em artigo publicado no nº 3 da revista "Contemporânea" em Julho de 1922 a propósito de Canções, Fernando Pessoa, numa defesa indirecta e algo "envergonhada", teoriza sobre o ideal esteta relacionando-o com a Grécia antiga e defende que António Botto é o único esteta de Portugal: "Artistas tem havido muitos em Portugal; estetas só o autor das Canções".[1]


Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, arrasa no nº. 4 da "Contemporânea, em Outubro de 1922, os argumentos de Pessoa (!) por demasiado rebuscados e desnecessários e defende que Botto é integralmente imoral e indecente, mas é nisso que está a sua qualidade: "O Botto tem isto de forte e de firme: é que não dá desculpas. E eu acho, e deverei talvez sempre achar, que não dar desculpas é melhor que ter razão".[2]


No mesmo nº. 4 da revista "Contemporânea" Álvaro Maia, um jornalista, assina um artigo em resposta a Fernando Pessoa onde se indigna por um ilustre intelectual como Pessoa se associar a tão repugnante, indecente e escandolosa e putrescente obra.[3]


Raul Leal, descontente com a ausência de resposta de Fernando Pessoa, publica em 1923 o opúsculo "Sodoma Divinizada" na editora Olissipo (também de Fernando Pessoa) onde ataca ferozmente Álvaro Maia e defende Botto teorizando acerca da divinização da imoralidade e do pecado que assim passaria a moral e aceitável: "Sodoma não foi condenada às chamas por ser viciosa mas por não ser misticamente viciosa. (…) Ora, sem dúvida, António Botto não satisfaz o meu ideal do luxurioso e pederasta místico; mas isso depende principalmente do meio em que vivemos, meio perverso em que se não sente Deus que assim se mantém alheado de nós. (…) Criem-se templos de Luxúria em que esta tome uma feição litúrgica e só então surgirá o verdadeiro sensualismo místico que há-de exprimir a divinização do Mundo, a divinização de Sodoma estabelecida exaltadamente pelo Verbo e pelo Espírito Santo de Deus!".[4]


A tempestade desencadeada por Canções e por "Sodoma Divinizada", bem como por outras obras e artigos que apareciam nas livrarias e jornais da época de que importa destacar "Decadência" de Judite Teixeira, foi tremenda, e a Federação Académica de Lisboa, tendo como porta-voz Pedro Teotónio Pereira, denuncia no jornal "A Época", em Fevereiro de 1923, a "vergonhosíssima desmoralização, que sob os mais repugnantes aspectos, alastra constantemente".[5]


A Federação Académica de Lisboa estaria com grande probabilidade apenas a servir de face pública das vontades do poder instituído da época porque pouco depois, em Março, é ordenada pelo Governo Civil de Lisboa a apreensão dos já mencionados livros de Botto, Raul Leal e Judite Teixeira.


Fernando Pessoa e Álvaro de Campos protestam contra o ataque dos estudantes a Raul Leal: "Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. (…) Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte. Mas quanto ao resto, calem-se. Calem-se o mais silenciosamente possível". Mas com pouco efeito. O impulso censório ganha força com o regime do Estado Novo e a revista "Ordem Nova" declara-se "antimoderna, antiliberal, antidemocrática, antibolchevista e antiburguesa; contra-revolucionária; reaccionária; católica, apostólica e romana; monárquica; intolerante e intransigente; insolidária com escritores, jornalistas e quaisquer profissionais das letras, das artes e da informação". António Botto acaba por se ver forçado a emigrar para o Brasil e Raul Leal será vítima de espancamentos e deixará de escrever para jornais durante 23 anos.



Referências




  1. Fernando Pessoa, Revista Contemporânea, nº 3, artigo


  2. Fernando Pessoa, Revista Contemporânea, nº 4, artigo escrito com o pseudónimo Álvaro de Campos


  3. Álvaro Maia, Revista Contemporânea, nº 4, artigo


  4. Raul Leal, "Sodoma Divinizada", 1923, editora Olissipo


  5. Pedro Teotónio Pereira, jornal "A Época", Fevereiro de 1923, artigo



Bibliografia |




  • Régio, José (pseud.); António Botto e o amor; Críticos e criticados (ensaio); Porto: Brasília Editora; 1978; 189p.


  • Amaro, Luís; António Botto, 1897-1959 (concepção, recolha e notas de Luís Amaro); 1.ª ed. Lisboa: BN, 1999. 112 p.; ISBN 972-565-267-3


  • Sales, António Augusto; António Botto: real e imaginário; Lisboa: Livros do Brasil, 1997. 248 p.; ISBN 972-38-1611-3


  • Fernandes, Maria da Conceição; António Botto: um poeta de Lisboa; Lisboa: Minerva, 1998. 138 p.; ISBN 972-591-349-3


  • Sena, Jorge; Líricas Portuguesas (selecção, prefácio e notas); Lisboa: Portugália, 1958


  • Pitta, Eduardo, Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2018. Inclui toda a poesia publicada pelo autor entre 1921 e 1959. ISBN 978-972-37-2067-9



Ligações externas |



  • Canções no Projeto Gutenberg

  • Página da Hemeroteca Municipal de Lisboa sobre a obra



  • Portal da literatura
  • Portal de Portugal



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